Quinta-feira, 9 de Agosto de 2012

São de marfim, cabem na palma da mão e têm pormenores delicados, que surpreendem. António Valera, o arqueólogo que dirige as escavações na Herdade dos Perdigões, em Reguengos de Monsaraz, fala com entusiasmo das estatuetas de marfim que ontem apresentou aos jornalistas como "descoberta única" em Portugal.

 

 

Têm o corpo esguio, bem delineado, tatuagens faciais e olhos grandes que poderiam ter incrustações

Têm o corpo esguio, bem delineado, tatuagens faciais e olhos grandes que poderiam ter incrustações (Fotos cedidas pela era)

 

 

Difunde-se muito a ideia de que o homem pré-histórico era rude, um brutamontes, graças ao cinema", diz Valera. "Mas o que povoados como o dos Perdigões mostram, com toda a sua simbiose com o mundo natural, é algo que estas esculturas vêm reforçar - nesta Pré-História havia um grande grau de sofisticação que está muito longe do preconceito."

Com 4500 anos, as 20 esculturas em miniatura (com tamanho entre os 12 e os 15 centímetros), "pelo menos nove das quais muito realistas", começaram a ser encontradas no ano passado, quando os arqueólogos escavavam um fosso onde, depois de cremados, foram depositados vários corpos. Para os investigadores da Era, a empresa que há 15 anos trabalha nos Perdigões, a herdade que a Finagra (actual Esporão S.A.) comprou para plantar vinha, mas que acabou por transformar num campo arqueológico com 16 hectares, encontrar representações humanas de marfim, "com grande qualidade estética e de execução", foi "emocionante", embora não tenha sido uma surpresa completa.

Estatuetas semelhantes são relativamente frequentes na Andaluzia, região com a qual o Sul do país forma uma unidade territorial na Pré-História. Como escavaram apenas uma área muito reduzida deste complexo arqueológico em que descobriram já mais de 500 peças e fragmentos de marfim, entre elas algumas representações de animais muito pormenorizadas, Valera e a sua equipa acreditavam que, mais cedo ou mais tarde, poderiam vir a dar com esculturas antropomórficas. "O que surpreendeu foi o rigor realista de algumas das figuras, que terá exigido grande capacidade técnica", explica.

Para Vítor Gonçalves, catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, especialista em Pré-História, a grande singularidade das estatuetas humanas dos Perdigões é simplesmente o facto de terem sobrevivido milhares de anos às agressões do solo alentejano. "Temos poucas figurações antropomórficas de marfim na Pré-História portuguesa, mas ainda menos no Alentejo, porque lá a terra é tão ácida que destrói tudo", explicou ao PÚBLICO pelo telefone, não tendo visto ainda ao vivo as peças da herdade. A descoberta, que considera "impressionante", é para este arqueólogo mais uma das originalidades dos Perdigões, a juntar ao facto de ser um "complexo mágico-religioso alentejano em que os sepulcros não são antas".

Conhecido desde 1983, o sítio dos Perdigões só começou a ser escavado em 1997, depois de um estudo geofísico, que fez uma espécie de radiografia à paisagem, ter identificado uma série de fossos concêntricos, mais ou menos circulares, e outras estruturas: possíveis cabanas, silos e sepulturas.

O que os trabalhos têm revelado nos últimos anos, explica Valera, é que o povoado, que começou por ser construído por comunidades neolíticas (c.5500 anos), teria grande importância na região, tendo sido, possivelmente, lugar de festas cerimoniais e de rituais associados ao culto dos mortos. O cromeleque perto da necrópole, já fora dos limites do povoado, reforça esta teoria.

"Estas povoações, das antigas sociedades camponesas, eram já capazes de construir obras públicas de envergadura, como estes fossos. Identificámos 12 e fizemos sondagens em quatro. Para fazer estes quatro estimamos que terão sido retiradas 60 mil toneladas de rocha, impressionante para as ferramentas rudimentares da época", diz Valera.

Em seguida, os arqueólogos vão aprofundar os estudos dos materiais nas valas e nas sepulturas com a ajuda de antropólogos da Universidade de Coimbra e fazer sondagens nos fossos para determinar a idade de cada um e a dinâmica de ocupação do povoado. Pelo meio, há que continuar a analisar as "miniesculturas". Para já as perguntas são muitas e as certezas quase nulas. Porque são tão realistas numa altura em que a representação da figura humana é essencialmente estilizada, como prova a maioria das 20 estatuetas? Serão deuses? Porque têm algumas o género tão bem definido e outras são assexuadas?

 

Têm o corpo esguio, com as nádegas e o tronco bem delineados, nariz e orelhas definidas, tatuagens faciais, cabelos a cobrirem as costas, olhos grandes que poderiam ter incrustações e as mãos sobre a barriga, segurando o que parece ser um bastão. "Nesta fase só podemos lançar hipóteses, especular", reconhece Valera. "São todas muito parecidas e o facto de serem realistas faz-nos pensar que podem querer comunicar uma ideia muito específica. A própria postura do corpo pode ter um significado, como quando nos ajoelhamos na igreja. Podem representar um estatuto social, um grupo dentro da comunidade ou até mesmo uma família." Mas também podem ser divindades, teoria que parece mais provável a Vítor Gonçalves, que conhece as estatuetas da Andaluzia. "Muitas das representações humanas neste período, como as das placas de xisto portuguesas, estão ligadas à deusa-mãe. Depois, progressivamente, chegamos a outras de um deus jovem."

Os arqueólogos dos Perdigões vão também estudar o marfim de que são feitas. Dos 500 fragmentos encontrados nos Perdigões analisaram apenas 15 e concluíram que se trata de marfim de elefante africano, o que prova que o povoado mantinha contactos com regiões distantes. Mas entre os restantes pode haver elefante asiático, marfim fóssil (de quando havia elefantes na Península) e até osso de outros animais, explica Valera. Na península de Lisboa, acrescenta Gonçalves, já foram encontrados fragmentos de cachalote.

Muitos dos enigmas das esculturas dos Perdigões vão ficar por decifrar, diz o director das escavações, mas os problemas que elas colocam, associados às práticas funerárias, sobre a concepção do corpo são só por si fascinantes. E se para o homem que viveu no Alentejo pré-histórico o corpo não fosse uma unidade? "É difícil saber o que vai na cabeça das pessoas de há 5000 anos." Mas vale a pena pensar nisso.

 

Público, Por Lucinda Canelas, com Marta Portocarrero



publicado por José Carlos Silva às 19:21 | link do post | comentar

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