Segunda-feira, 23 de Julho de 2012

Já lá vão quinze dias após a romaria do senhor dos Aflitos e ainda a sua recordação trespassada de laivos de simpatia se acha cravada na nossa memória.

É que esta festa empreendida por simpáticos moços d’esta vila a quem nos prendem os laços da mais intima e inquebrantável amizade, traduz no esplendor do encendrado e desprendido a este formosíssimo torrão, que, pelas belezas naturais de que a natureza sempre pródiga dotou, pode com legítimo orgulho ufanar-se d’um dos mais formosos e poéticos d’esta encantadora região de Entre Minho e Douro.

Pode ser que nos cegue o amor inato que todo o homem possui à face da terra que o viu nascer, mas nós que temos percorrido grande número de povoações do norte do país, julgamos dizer sem mentir que esta vila tem foros seguríssimos para se afirmar uma das mais belamente atraentes quer pela beleza dos seus panoramas, quer pela alegria sempre jovial dos seus habitantes.

É certo que ela não pode orgulhar-se com os pergaminhos de antepassados notáveis.

Se percorrermos os seus anais não encontramos mesmo homens que se notabilizassem nos ardores quentes da peleja, que voassem nos estos do génio ás regiões luminosas da poesia, que se notabilizassem nas lutas do foro ou nos combates da tribuna, não vemos relíquias dos seus cantos, nem recordações imorredoiras dos seus heróis.

Nada d’isso, mas não importa. Os tempos d’hoje não d’outrora em que os fatos eram quase sempre de penhor seguro para se aquilatar dos presentes.

Eu, filho do século 20, odeio do amago da alma memorar quem engrandeceu seja lá quem for essas recordações avoengas que serão grandes para notabilizar os heróis que d’elas foram sujeitos, mas que nunca poderão notabilizar os homens do futuro.

(…)

Devíamos prevenir-nos com mais tempo para fazer uma descrição das festas que assoberbaram os milhares e milhares de forasteiros que animados pelo esplendor que revestiram as dois anos passados, aqui vieram nos dias 27 e 28.

(…)

O templo do senhor dos Aflitos que se acha situado num pequeno monte, que, como já ouvi dizer a alguém, é como o coração d’esta vila, posto que desativado de belezas arquitetónicas deixa vazar na alma um sentimento religioso que nos eleva em escadas misteriosas ao trono majestoso de Deus.

(…)

A feira anual, que pode sem receio de desmentido dizer-se superior à dos anos anteriores, apesar de todo o empenho da digna comissão e da Exma. Câmara que criou prémios especiais e menções honrosas para os melhores expositores de gado cavalar e bovino – não pôde ser tão boa como era de esperar devido ao calor verdadeiramente tropical que inibia quase por completo a permanência do gado sob um sol abrasador.

No dia 28 a festa da igreja esteve simplesmente esplendida. A armação do templo, conjugado com o adorno de verdes de que se encarregou o bom amigo Padre Paulino coadjuvado pelo trabalho indefeso do senhor Augusto José Alves, d’um efeito soberbo.

Ao Evangelho subiu ao púlpito o por demais conhecido Dr. Correia Pinto que empolgou com o seu verbo eloquente o vasto e seleto auditório a quem fez, com a convicção da sua palavra, borbulhar lágrimas incoercíveis.

É que ele – rapaz ainda novo já pode conquistar os foros dos mais eloquentes oradores da nossa terra – e enramilhetar nas mais peregrinas flores de retórica os mais primorosos e aquilatados conceitos.

Escolheu para texto as palavras do Evangelho de S. João Sicut dilexit me Pater, sicut ego dilexi vobis e subordinando o sermão ao amor de Jesus desenvolveu o assunto com máxima proficiência.

No fim da festa de Igreja fez uma feliz ascensão aerostática um tal capitão Teixeira, que ascendeu a cerca de 500 metros d’altura, indo cair num dos campos do senhor José Neto.

A afluência de povo da parte de manhã foi grande.

De tarde saiu uma luxuosa procissão do majestoso templo do senhor dos Aflitos na qual se incorporavam várias irmandades e muitas cruzes paroquiais. Num elegante e esbelto carro triunfante ia um coro de seis meninas que por várias vezes fizeram ouvir em cânticos apropriados as suas lindas vozes juvenis.

À procissão magistralmente dirigida pelo reverendo Paulino, dava-lhe uma majestática imponência a imagem do Senhor dos Aflitos que instintivamente fazia curvar o joelho ante aquela figura do Senhor que na sua nudez cadavérica falava a todos os corações que compreendem a dor, que são todos os corações humanos.

De noite as iluminações foram deveras surpreendentes. O monte iluminado a milhares e milhares de luzes era d’um efeito feérico. Não podemos deixar neste lugar de dar os nossos mais sinceros emboras ao senhor Tomás Bastos que estranho à comissão mostrou num trabalho muito original um tino e aquilatado bom gosto.

Esse trabalho era um guarda – sol de vastas dimensões, colocado ao fundo das escadas.

Das varas deste guarda-sol estavam penduradas iluminações de vários gostos estando as cores de tal forma combinadas que produziam um efeito surpreendente.

Nunca as iluminações estiveram tão esplendidamente boas como este ano. Os forasteiros ficaram maravilhados.

É que a beleza do monte presta-se admiravelmente para estes trabalhos.

O fogo-de-artifício, obra do conhecido José Castro, de Viana, foi uma maravilha, deixou sensações indeléveis na alma de todos.

O festival que se realizou no jardim, foi muito atraente bem como os restantes números do programa que foi cumprido à risca.

Bem-haja a benemérita e simpática comissão que com tanto afã procura o avanço da nossa terra e o esplendor sempre crescente das festas em honra do Senhor dos Aflitos.

 

Jornal de Lousada, 1907

 

1ª nota – Texto convertido à escrita atual.

 

 

2ª mota – Há no imaginário Lousadenses a ideia de que as Festas do Senhor dos Aflitos remontam a 1905.É ERRADO.

 

 

A Festa do Senhor dos Aflitos foi comemorada anos antes. Foi seu mentor o titular da Casa da Tapada, Manuel Peixoto de Sousa Freire, um excelso benemérito de Lousada, promotor do antigo hospital de Lousada, hoje Lar da Terceira Idade da Santa Casa.

De referir, igualmente, que a singeleza do seu programa foi-se refinando anos fora, assim como o número de dias foram crescendo.

Em meados do século vinte, a segunda – feira da Festa do Senhor dos Aflitos tornou-se no feriado municipal, anulando o histórico 13 de maio da subida do Lugar de Torrão a Vila de Lousada em 1842.

A Festa do Senhor dos Aflitos é, na atualidade, uma das mais belas romarias do Norte do país, quiçá de Portugal.

 



publicado por José Carlos Silva às 20:55 | link do post

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